Acadêmicos: Márcio dos Santos Gomes e
José Airton de Carvalho (**)
RESUMO
O presente trabalho avalia os desafios e o alcance de atuação das Academias Maçônicas de Letras. Preliminarmente, destacam-se as lutas e conquistas dos pioneiros da Maçonaria que se dedicaram à causa da formação dos pilares da educação no Brasil, tema ainda desconhecido pela população em geral, inclusive por grande parte do meio maçônico. Por terem um escopo mais ampliado, abertura e proximidade com a sociedade, as Academias Maçônicas de Letras podem operar no sentido de tornar públicos os grandes feitos ainda pouco reconhecidos e cujos protagonistas não recebem os merecidos créditos nos festejados livros de História do Brasil. Para corrigir essa defasagem, as Academias se constituem em um fórum privilegiado pelo alto nível intelectual e cultural de seus experimentados componentes, além de estarem livres das amarras que impedem discussões de temas políticos, vedados às Lojas por imposição das legislações de regência das Potências Regulares.
PALAVRAS-CHAVE: Maçonaria. Academias. Cultura. Educação.
I – ANTECEDENTES
Muitos maçons e a sociedade em geral ainda desconhecem que a Maçonaria teve uma forte participação na formação na área da educação no Brasil, tendo despontado no século XIX como terreno fértil para a propagação das ideias iluministas e difusora do liberalismo e do ensino laico e gratuito, em contraposição à obrigatoriedade do ensino religioso, reconhecendo a educação como libertadora do homem.
O cenário da educação no nosso País no século XIX era caracterizado pelo descaso do governo e dos políticos, que relegaram o ensino primário, secundário e profissional. Dizem as más línguas que atualmente não mudou muita coisa.
Com a independência do Brasil em 1822, o que era “Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves” tornou-se, oficialmente, “Império do Brasil”, o qual estabeleceu como forma de governo uma monarquia constitucional parlamentarista e D. Pedro I como primeiro imperador do Brasil. A primeira Constituição do Brasil foi outorgada em 1824, na qual se estabelecia que a educação primária seria gratuita para todos os cidadãos no país.
A primeira legislação (Lei de Instrução Pública) foi a de 1827. O acesso e a permanência das crianças pobres na escola só foram efetivamente garantidos depois da Constituição de 1988. Durante mais de 160 anos, a imensa maioria da população infantil não teve sua oportunidade educacional garantida, gerando uma desigualdade profunda, como é do conhecimento da geração mais antiga[1].
À época, a escola primária era precária, a secundária era restrita à parcela rica da população, que recebia um ensino literário; o ensino superior era o mais frágil e desvinculado da realidade nacional.
Os maçons de então defendiam que para alcançar a civilização era preciso difundir as “Luzes” e elevar o país ao nível do século, espalhando o ensino primário. Nesse período a Igreja Católica voltou-se para a prestação de serviços educacionais, disputando com a Maçonaria no mesmo espaço a formação de mentes (BARATA, 199, p.141).
A imprensa maçônica manifestava seu posicionamento defendendo a obrigatoriedade do ensino aos jovens e criticava a doutrinação promovida pela Igreja em seus colégios e a completa ausência das doutrinas do espírito moderno. O quadro seria revertido no período republicano (COLUSSI, 2000, p. 49-50). O nível de analfabetismo durante o período imperial era altíssimo e o sistema educacional era extremamente falho.
Um fato que poucos maçons e a maioria da sociedade desconhecem é que as primeiras aulas noturnas no país foram promovidas pela maçonaria, que aproveitou o espaço das Lojas Maçônicas como salas de aulas destinadas a ex-escravos, filhos e mulheres de maçons. A Maçonaria alfabetizou adultos pobres, com o lema: “EDUCAR PARA LIBERTAR”.
A partir dos anos 1870, as Lojas passaram a discutir nas suas sessões de trabalho a questão da educação da juventude, então dominada no Brasil oitocentista pelo ensino religioso, o que se aprofundou com o retorno dos jesuítas ao país. “A instalação de escolas era uma prática conhecida e largamente utilizada na Europa, sobretudo, e não por acaso, pela Maçonaria francesa” (BARATA, 1999, p.139).
Com isso, propostas de iniciação de professores nas lojas maçônicas eram incentivadas como meio de influenciar na formação laica dos setores populares, e até mesmo isentando professores da rede pública das custas de iniciação. Naquele contexto, a maçonaria passou a defender cada vez com mais força o ensino laico e o pensamento liberal e cientificista.
Em 1877, o visconde do Rio Branco dirigiu uma sessão extraordinária no Grande Oriente do Brasil, cujo objetivo era discutir uma atuação mais efetiva da Maçonaria nas atividades de instrução pública.
Para a Maçonaria, a universalização do ensino primário laico era o principal remédio para combater os adversários do progresso, os partidários da ignorância, do fanatismo e da intolerância, ou seja, era melhor meio de realizar a alta politica (BARATA, 1999, 139). Nos debates em Loja os maçons tratavam de estratégias envolvendo a separação entre igreja e Estado e as discussões, inclusive em outros fóruns, abrangiam temas ligados à defesa da liberdade de consciência, do progresso do país, da secularização dos cemitérios, na defesa do registro civil de nascimento e casamento, do fim do escravismo, em práticas filantrópicas também laicas e da implantação da República.
Efetivamente, a Maçonaria difundiu o uso da razão na busca do progresso intelectual, social e moral e como forma de debelar toda a tirania, seja intelectual, moral ou religiosa. Ideias essas que foram o sustentáculo da modernidade no século XIX e primeiras décadas do século XX e que embasaram mudanças que visavam à construção do que consideravam uma nova sociedade inserida no contexto da Modernidade (AMARAL, 2005, p.65).
O processo que desaguou na Proclamação da República no Brasil teve forte influência do trabalho de políticos ligados à Maçonaria. Se bem que havia na maçonaria da época uma corrente monarquista. A consolidação do regime republicano, no final do século XIX e primeiro quartil do século XX, contou ainda com a decisiva atuação de jornalistas, escritores, professores, gestores e intelectuais maçons e dos espaços culturais e educacionais por eles ocupados.
No período republicano, “a filantropia e a educação se acentuaram como práticas prioritárias da maçonaria no embate contra o fortalecimento eminente do catolicismo. Nesse sentido, hospitais, orfanatos, asilos e escolas maçônicas se difundiram pelo território brasileiro e gaúcho” (COLUSSI, 1998, p.430).
Entretanto, como é reconhecido em nosso meio e motivo de desolação é que toda a contribuição da maçonaria na estruturação do Estado naquele período não teve e ainda não tem o devido reconhecimento e valorização pela História, e os livros oficiais e autores renomados omitem esses detalhes. Lamentavelmente, personagens envolvidos, mesmo com destaque no cenário político, não tiveram a filiação maçônica mencionada nos anais da história. Talvez a forma de atuação da Maçonaria, sempre discreta, seja o motivo desse desconhecimento pela Sociedade.
A causa da educação foi o mais importante projeto político da maçonaria durante a Primeira República. Com o predomínio católico durante o império, a nova Constituição previa a educação laica nas escolas públicas, com o foco voltado para a universalização do ensino primário e a garantia de um modelo de escola capaz de compensar os séculos de “educação jesuítica” (MOREL, 2008, p.186).
Ainda segundo esse autor:
“A maçonaria entendia que a formação mais diversificada, pragmática e com um maior alcance populacional era o pressuposto para o progresso da nação. Ela também pregava a necessidade de incentivar o ensino industrial e agrícola, formador de mão-de-obra especializada [...] A maçonaria buscou discutir a educação à luz das modernas teorias psicológicas e filosóficas, o que desagradou aos mais conservadores. Também, para escândalo das famílias tradicionais, muitas escolas maçônicas ofereciam o ensino misto, isto é, para ambos os sexos. Pode-se dizer que a educação brasileira, com seus diferentes modelos e pressupostos, refletiu bem a disputa estabelecida entre o pensamento liberal cientificista da maçonaria e a doutrina católico-conservadora da Igreja” (p. 187).
No embate entre a Igreja e a maçonaria, afirma COLUSSI (1998):
“Nesse ponto, podemos observar que, a partir da virada do século XX, as escolas católicas ganharam espaços importantes, atraindo especialmente os filhos da elite – até então, as escolas particulares laicas eram uma opção de parcela significativa dessa mesma elite. Quando a maçonaria intensificou a política de criação de escolas, agora direcionadas aos setores menos favorecidos, de certa forma, assumiu a sua derrota no ensino dirigido à elite. Além disso, o fracasso da maioria das iniciativas de escolas maçônicas, por falta de recursos financeiros e de clientela, indica uma fragilização da maçonaria em relação à Igreja Católica naquele contexto” (p.441-442).
CASTELLANI (1993) destaca que no período 1913-16 houve incremento na formação educacional das crianças brasileiras. O Decreto Nº 513, de 23.12.1915, do Grande Oriente do Brasil, estabeleceu a obrigatoriedade do ensino primário para os filhos dos maçons, nos seguintes termos:
Lauro Sodré, Grão Mestre da Ordem Maçônica no Brasil, faz saber a todos os Maçons e Oficinas da Federação, para que cumpram e façam cumprir, que pela Soberana Assembleia Geral, foi adotada, em sessão de 20 do corrente mês a seguinte resolução:
Art. 1º - O ensino primário da língua nacional é obrigatório para todos os filhos de maçons, entre os sete e os doze anos de idade.
Art. 2º - Em todos os Orientes onde não houver escolas gratuitas mantidas pelo governo do país, ou por associação leiga de qualquer natureza, as Lojas e os Maçons aí residentes, são obrigados a cumprir essa falta e a essa missão, de preferência, dedicar todos os sacrifícios de que forem susceptíveis, coletiva e pessoalmente.
Parag. 1º - Para tal fim as Lojas têm direito ao auxílio de que trata o art. 76 do Regimento Geral.
Parag. 2º - As escolas assim criadas são públicas.
Parag. 3º - As Oficinas e os Maçons de que trata este artigo, têm direito ao título de Benemerência da Ordem, com isenção do pagamento da respectiva joia.
Art. 3º [...]
Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário (CASTELLANI, 1993, p. 202).
No período da primeira república houve uma expansão significativa do número de escolas ligadas diretamente às lojas maçônicas. Em 1922 foram contabilizadas 132 escolas maçônicas atendendo a um número de 7.030 alunos por todo o Brasil.
O Quadro estatístico abaixo, extraído do Livro Maçônico do Centenário, de Octaviano Bastos et al (p.237), demonstra o número de escolas mantidas pela maçonaria brasileira (julho de 1922), cujo projeto vinha se desenvolvendo desde o século XIX, com destaque citado para os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro (apud BARATA, 1999, p.141).
Estados | Nº de escolas | Nº de alunos |
Acre (território) | 15 | 275 |
Amazonas | 03 | 131 |
Bahia | 04 | 118 |
Ceará | 03 | 107 |
Espírito Santo | 01 | ---- |
Maranhão | 02 | 098 |
Minas Gerais | 10 | 244 |
Pará | 08 | 205 |
Paraíba | 02 | 059 |
Paraná | 04 | 135 |
Pernambuco | 04 | 270 |
Rio Grande do Norte | 02 | 053 |
Rio Grande do Sul | 03 | 053 |
Rio de Janeiro | 10 | 598 |
Santa Catarina | 02 | 058 |
São Paulo | 59 | 4.626 |
Sergipe | ---- | ---- |
Total | 132 | 7.030 |
O segundo estado a concentrar o maior número de escolas foi o Acre, onde o poder público mostrava-se ausente. O primeiro foi São Paulo. Destaca-se, no período, a existência de 22 bibliotecas maçônicas no Brasil, com um total de 7.000 volumes.
A maçonaria procurou estreitar os laços com as camadas menos favorecidas da sociedade, no momento em que a Igreja estava voltada para a educação dos filhos da elite (MOREL, 2008, p. 187).
A partir da cisão de 1927, com a divisão do Grande Oriente do Brasil e a formação do sistema das Grandes Lojas Estaduais, além de disputas políticas pautadas por diferentes vínculos regionais, a maçonaria passou a enfrentar, ainda, ataques da Igreja Católica e dificuldades em manter-se coesa, notadamente em face do encerramento do ciclo de presidentes maçons, com o golpe de 1930.
Outro fato que merece ser ressaltado foi a fundação da Universidade de São Paulo. Com a vitória sobre a Revolução Constitucionalista, Vargas nomeou o general Valdomiro Lima como interventor em São Paulo, com a missão de pacificar o estado e promover a conciliação entre o governo federal e as forças derrotadas. O General se manteve no cargo de 6 de outubro de 1932 a 27 de julho de 1933, sendo sucedido por Armando de Salles Oliveira. Salles, por sua vez, e seu cunhado, o maçom Júlio de Mesquita Filho, fundaram a Universidade de São Paulo (USP), em 1934. O maçom Mesquita Filho estabeleceu como condição de sua criação que a universidade fosse pública, laica e gratuita (GOMES, 2018)[2].
Mantida pelo Estado de São Paulo e ligada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, atualmente, a USP conta com 97 mil estudantes, em 42 unidades de ensino e pesquisa, 333 cursos de graduação e 264 de pós-graduação, além de ser responsável por 22% da pesquisa científica brasileira.
Pela panorâmica dessa despretensiosa introdução, pode-se concluir que no passado a Maçonaria brasileira, com a atuação decisiva de seus obreiros, prestou um inestimável trabalho na formação cultural e construção dos pilares da educação em nosso País.
II – AS ACADEMIAS DE LETRAS
2.1 – ORIGENS DO TERMO
No sentido original, ACADEMIA - AKADÉMEIA foi o jardim no qual Platão ou Arístocles fundou sua escola de filosofia, na cidade de Atenas, em aproximadamente 387 a.C., um espaço dedicado à elaboração de novos saberes e ao ensino, por muitos considerada a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental.
A função pedagógica de seus diálogos, desde sua época, eram usados como ferramenta de ensino nos tópicos mais variados, como filosofia, lógica, retórica, matemática, entre outros. Buscava-se, pela dialética socrática, o saber pelo questionamento e pelo debate.
O nome deriva de um imenso jardim que outrora pertenceria ao herói lendário de Ática chamado “Academo”, que segundo a tradição mostrou aos irmãos de Helena (Castor e Polideuces), onde ela estava mantida cativa por Teseu, quando eles se deslocaram à cidade de Atenas para resgatá-la.
O túmulo de Academo localizava-se perto de Cerâmico, o cemitério de Atenas, e era rodeado por um jardim (ou bosque) sagrado, no qual se plantaram doze oliveiras e onde foi construído um altar dedicado à deusa Atena.
O termo ACADEMIA passou a designar toda instituição de ensino superior, ou que congrega luminares da ciência, das artes, da filosofia etc. Muitas academias tornaram-se famosas através de tempos e lugares, nas várias áreas de sua atuação.
2.2 - AS ACADEMIAS COMO CONVENTÍCULOS DE PEDREIROS-LIVRES
Não poderíamos deixar de relembrar o papel desempenhado por algumas Academias ainda o período do Brasil colônia.
Na sua obra “Gonzaga e a Inconfidência Mineira”, Almir de Oliveira (1985) comenta:
“na Vila Rica daqueles tempos havia um grupo de literatos, que formava a Arcádia Ultramarina. Eram intelectuais, que se reuniam em sessões, onde se debatiam coisas do espírito. Poetas e juristas. E clérigos. É natural que, num ambiente de inteligências polidas, afeitas ao trato de problemas humanos, surgisse a ideia de fazer-se de Minas, quiçá do Brasil, um Estado livre, nos moldes da República americana do norte” (GOMES, 2018).
Pedro Calmon (História do Brasil, 4º Vol. p. 1.248), citado em nota por Roberto Lettière (2001), registra que “o ‘clima’ do fim do século era nefasto aos congressos intelectuais. Nem estes eram apenas intelectuais. A Maçonaria repontara, instalava-se, estendia-se. Não seria de admirar que as esdrúxulas Academias....fossem... conventículos de pedreiros-livres...” (GOMES, 2017) [3].
Segundo CHAVES (2014):
“Muitos desses estudantes [que frequentavam as universidades francesas], como, por exemplo, Arruda Câmara, teriam atuação definida em movimentos liberais brasileiros, surgidos no final do século XVIII, através de sociedades secretas, semi-secretas, ou – pelo menos de fachada – sociedades científicas e literárias, como, por exemplo: o Areópago de Itambé, fundado por Arruda Câmara, em 1796, na divisa de Pernambuco e Paraíba; a Sociedade Científica do Rio de Janeiro, depois Sociedade Literária, que seria fechada, em 1794, pelo conde de Rezende; as Academias – dos Esquecidos, dos Renascidos e a de Suassuna – esta última, a mais importante, surgida em 1801; a Escola Secreta de Vicente Pereira dos Guimarães Peixoto; e assim por diante” (p.220).
Muitas Academias e Sociedades Científicas funcionaram efetivamente como sociedades secretas e eram fóruns de discussões das ideias liberais. Têm-se notícias dessas academias na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro, sob a égide do Or. da Ilha de França (depois, Ilha Maurício), ou do Grande Oriente Lusitano. Com a deflagração da Revolução Pernambucana de 1817, de caráter liberal e de inspiração maçônica, desencadeou-se perseguição às sociedades secretas, culminando com o alvará de 30 de março de 1818, que condenava a essas sociedades, por considerá-las conspiradoras contra o Estado.
Tal medida afetou ainda incipientes lojas do território nacional, motivado pela agitação do meio maçônico empenhado em obter a independência do Brasil. Essa abordagem histórica nos permite perceber a importância que tiveram as Academias para os movimentos libertários e o surgimento das primeiras Lojas Maçônicas no Brasil.
III – AS ACADEMIAS MAÇÔNICAS DE LETRAS
Durante o século XVIII, formaram-se várias sociedades com o nome de Academias que parece derivarem todas de uma Academia dos Sábios fundada em Londres por Elias Ashmole (1617-1692), influenciado que foi pelas doutrinas de Francis Bacon. As Instruções da Academia deviam dividir-se por Classes e/Grupos, mas não chegaram até aos dias de hoje, os números ou os nomes dos Graus que a compunham. Sabe-se apenas que existiram Academias dos Sábios na Suécia, na Rússia, em Avignon e em outras cidades francesas.
Em Montpellier no ano de 1778 consta uma das principais fontes da Maçonaria Hermética, onde seguidores dos principais sistemas, à época, disputavam a supremacia maçônica como sendo os de Zinnendorf, da Sociedade das Duas Águias, da Sociedade do Apocalipse, dos Iluminados do Zodíaco, dos Irmãos Negros e dos Sacerdotes ou Eleitos Cohen.
Allec Mellor, historiador maçônico francês, afirma que “Academia” foi também o nome dado a esses grupos maçônicos.
Assim, entre outras, tivemos a “Academia dos Verdadeiros Maçons”, de Pernety e a “Academia dos Sublimes Princípios do Cordeiro Luminoso”, fundada pelo Barão Blaerfindy em 1780, que era uma espécie de Franco Maçonaria pretensamente pitagórica em três graus.
Curiosamente, Dom Pernety, era um religioso beneditino, abade de Burgol, nascido em Robanne em 1717 e falecido em Valença em 1800, e teria composto o Ritual Alquímico Secreto do Grau de Verdadeiro Maçom Acadêmico, em 1770. Nesse Grau a Loja chamava-se Academia e este seria o único dos altos graus herméticos dos sábios de Avignon[4].
A primeira academia brasileira maçônica criada no Brasil foi a Academia Brasileira Maçônica de Artes, Ciências e Letras, fundada em 27 de janeiro de 1996 sob a presidência do escritor Irmão José Castellani. (FOLHA DO LITORAL, 2020) [5].
Hoje, a Maçonaria conta com dezenas de Academias espalhadas por todo o território brasileiro.
IV – O ALCANCE CULTURAL DAS ACADEMIAS MAÇÔNICAS DE LETRAS
As Academias Maçônicas de Letras destacam-se na área da cultura e visam, num primeiro momento, à preservação e valorização da memória e da história da Maçonaria, ampliando o nível de conhecimento dos maçons regulares em geral, sobretudo no estudo da filosofia maçônica, fomentando os aspectos éticos, pacíficos, humanistas e democráticos, como amplamente previstos nos ensinamentos da Maçonaria Universal, bem como na conservação e no desenvolvimento da cultura em geral.
Para isso elas convidam para compor os seus quadros maçons que tenham dado contribuições importantes no campo do estudo da Maçonaria ou que tenham se distinguido de outra maneira nas artes, na literatura ou nas ciências.
Seus membros reúnem-se no seio das Academias com a finalidade de debater, promover e estimular a cultura em todos os níveis, trabalhar a favor do alto conhecimento, dos estudos e das pesquisas no campo maçônico e social, promovendo a cidadania, os direitos humanos, a democracia e outros valores universais e, ainda, o cultivo e divulgação das artes, das ciências e das letras.
Para a consecução desse propósito empenham-se na produção e difusão de conhecimento, por meio de encontros, palestras, simpósios, seminários, concursos, publicação de revistas e de livros, dentre outros modelos de eventos e reuniões, não somente para a comunidade maçônica, mas de forma a contribuir para elevação do nível de esclarecimento da sociedade.
Podem ainda prestar homenagens especiais a pessoas e entidades que se destaquem no mundo profano.
4.1 – ACADEMIA MAÇÔNICA VIRTUAL BRASILEIRA DE LETRAS - AMVBL
Considerado um marco nos anais da Maçonaria no Brasil, aconteceu no dia 21 de abril de 2021 a fundação da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras, que destaca no seu Artigo 2º de seu Estatuto o seu papel cultural:
"Art. 2º. A AMVBL tem como finalidade Integrar uma rede nacional de escritores maçons voltada para o estudo, pesquisa e desenvolvimento da produção literária, tanto no campo maçônico, quanto na língua e literatura em geral incorporando os avanços tecnológicos como traço central de sua dinâmica e estrutura de funcionamento.
§ 1º Para atingir sua finalidade a AMVBL poderá:
I- Manter intercâmbio com entidades congêneres;
II- Reunir-se virtualmente, ou de forma presencial com outra Academia Maçônica, ou não, com o fito de congraçamento e/ou construção e apresentação de trabalhos literários.
III- Associar-se a órgãos ou entidades representativas da esfera literária, cultural, científica ou maçônica;
Firmar convênios com entidades federais, estaduais e municipais, com entidades não governamentais, bem como com entidades estrangeiras objetivando captar recursos ou desenvolver projetos.
§ 2º Para atingir sua finalidade a AMVBL poderá desenvolver:
I- A produção de Obras literárias e não literárias de natureza maçônica e não maçônica;
II- A divulgação de trabalhos produzidos por seus membros;
III- A realização de encontros, palestras, simpósios, seminários, dentre outros modelos de eventos e reuniões, visando trabalhar a produção e difusão de conhecimento".
4.2 – A ACADEMIA MINEIRA MAÇÔNICA DE LETRAS - AMML
Não poderíamos deixar passar batido como apresentadores. Então, desculpem-nos os demais Confrades de outras academias aqui presentes, já puxando a brasa para a nossa sardinha, a Academia Mineira Maçônica de Letras, fundada em 30 de março de 1993.
No seu Estatuto, dispõe:
"Art. 2º - A AMML tem por finalidade desenvolver a cultura maçônica por meio da pesquisa e estudo da sua história, dos seus princípios doutrinários, de personalidades e temas relacionados com os objetivos da Maçonaria, o que deve ser registrado para a posteridade.
Art. 4º - A AMML tem como patrono o Protomártir da Independência do Brasil, JOAQUIM JOSE DA SILVA XAVIER, TIRADENDES e, em sua homenagem, é designada “CASA DE TIRADENTES”.
Importante destacar um cuidado estratégico da AMML contido no Parágrafo Único, do Art. 2º do seu Regimento Interno, que deixa bem claro:
"A Academia conservará absoluta neutralidade em assuntos internos das Potências Maçônicas Simbólicas, Filosóficas dos Altos Graus e de suas Lojas, abstendo-se, peremptoriamente, de quaisquer comentários ou pronunciamentos oficiais e públicos, não se deixando influenciar, na eleição de seus associados, por fatos consequentes de tais assuntos".
V – CONCLUSÃO
Como vimos, nesta apertada síntese, os objetivos de quase todas as Academias Maçônicas de Letras guardam semelhança, notadamente no sentido de promover debates, com a livre expressão de ideias e reflexões críticas, divulgar trabalhos produzidos por seus membros, promover cursos, palestras, eventos culturais, editar livros e revistas e homenagear personalidades das áreas estudadas, visando a incrementar a produção e difusão de conhecimento.
E hoje, pelo cenário descrito anteriormente relativamente à contribuição da Maçonaria na constituição dos pilares da educação no Brasil, temos um grande legado a ser resgatado.
Certamente nosso trabalho será mais leve e não terá os contratempos que os acadêmicos do século XVIII ao atuarem clandestinamente e estarem sujeitos a responder por crime de lesa-majestade. Mesmo assim, a liberdade de expressão, atualmente, encontra-se na berlinda. Mas essa é outra história e um terreno bastante minado, que é melhor deixar de plano por enquanto. Mas não deixa de ser preocupante.
Entretanto, não podemos deixar de mencionar a crítica ácida que recai sobre as Academias em geral, consideradas por muitos que as compõem como um reconhecimento e uma premiação pelo prestígio de cargos, funções ocupadas na sociedade e mundo cultural. Em qualquer país, quem não se sentiria orgulhoso em pertencer a uma Academia de Letras? Sabe-se que o funil é muito estreito, quase a conta-gotas. Renovação depende de algum componente falecer. Alguns membros se exultam pela caminhada e pela vaidade de se reconhecerem como Imortais e não dispensam um tapete vermelho e o orgulho de exibir o Fardão.
Nesse sentido, vejam bem a situação da festejada Academia Brasileira de Letras, alvo de críticas de diferentes setores, incluindo grupos conservadores e outros que questionam a sua atuação alegando que a mesma deixou de ser, há muito tempo, uma instituição relevante e está longe de cumprir o que prometeu no artigo 1º: “tem por fim a cultura da língua e da literatura nacional”. Comenta-se que a cada sucessão a Academia Brasileira de Letras deixa a qualidade literária para trás e que a mesma tem desprestigiado a literatura em prol de outras manifestações culturais[6].
Isso é o novo normal. É só para estarmos conscientes de que críticas despontam de todos os lados e para todos. Basta avaliar se existe um fundo de verdade. Ninguém está blindado a críticas.
Alto lá: que fique claro que não estamos falando das Academias Maçônicas de Letras, em especial as nossas, se bem que pode haver alguma exceção nesse sentido, pois nenhuma instituição criada por humanos é perfeita. Esperamos que nossas Academias Maçônicas de Letras nunca percam o foco. Se depender dos que estão aqui hoje, isso nunca acontecerá. Com certeza!
O Confrade José Anísio Moura, da AMML, em trabalho publicado na Revista Libertas, Nº 16, período Julho a Setembro de 2016, destacou [7]:
“a existência de uma Academia é algo sublime, principalmente, nos dias atuais quando a inversão de valores adentra, sem pedir licença, nossos lares, enaltecendo o que é, foi e sempre será, por demais, errôneo e imoral, tentando nos afastar do caminho reto que nos conduz, com segurança, à evolução e ao progresso”.
Acrescenta, ainda:
“observando a história da Maçonaria Brasileira, torna-se notória a importância que teve e tem essas Casas de Cultura. A responsabilidade de um acadêmico é a de promover e difundir a cultura e a arte em suas diversas formas, elucidando e conscientizando, principalmente, através do exemplo. (grifo destes apresentadores). Nem se faz necessário dizer que essa responsabilidade se multiplica quando se trata de membros de uma Academia Maçônica. Somos imortais, não pelo uso de estolas e comendas, mas pela prática de bons exemplos, o que nos fará transcender os limites do bem e do mal”.
Pegando a deixa do Confrade Moura, uma pequena sutileza que não pode passar despercebida - mesmo que possa causar incômodos - e merece ser evidenciada é que a condição de IMORTAL é a do Patrono, isso mesmo, do Patrono a quem o ocupante temporário da Cadeira compete representar e defender. No nosso caso não se aplica ipsis litteris a regra da Academia Brasileira de Letras, na qual a condição de ocupante dura até o fim da vida do acadêmico.
Nas nossas Academias, caso o ocupante se retire ou seja desligado por não cumprir o juramento de posse e os compromissos assumidos, outro será indicado para ocupá-la. A condição para permanência é estar sempre presente nos eventos da Academia, apresentar o panegírico e pagar a taxa semestral. Na hipótese de descumprimento de uma dessas condições, o Acadêmico abre mão de seu direito, podendo ser substituído. Evidentemente não temos boletins de ocorrência nesse sentido até agora, pois o cumprimento dos compromissos e o exemplo são o forte de nossa Academia. E que assim continuemos!
(*) Palestra apresentada em 27.09.2024, junto à Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras, na Cerimônia Pública de Posse de Novos Acadêmicos.
Gravação disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=W8hmfe3ss8A
(**) Márcio dos Santos Gomes: Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro da Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda (BH); Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON; Membro Correspondente da Academia Maçônica de Letras de Piracicaba (SP); Colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.
José Airton de Carvalho: Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas Nº 197 (GLMMG) - Belo Horizonte/MG; Membro da Academia Mineira Maçônica de Letras (Belo Horizonte/MG), Membro Fundador e Ex-Venerável da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda (GLMMG); Fundador e Ex-Presidente da Escola Maçônica “Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida” (GLMMG); Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 (GLEPA); Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 (GLOMARON); Membro Correspondente da Academia Maçônica Fluminense de Letras (RJ); Membro Correspondente da Academia Maçônica de Letras de Piracicaba (SP); Membro Correspondente da Loja de Estudos e Pesquisas Luz e Saber Nº 187 (GLMERJ).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Giana Lange do. Os maçons e a modernização educativa no Brasil no período de implantação e consolidação da República, 2005. Disponível em :
https://www.scielo.br/j/heduc/a/vGVTPQ8MVy4DM88kPqRcxsy/. Acesso em 23.01.2024.
BARATA, Alexandre Mansur. Luzes e Sombras: A ação da Maçonaria Brasileira (1870-1910). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1999.
BLOG Portal da Educação. https://blog.portaleducacao.com.br/periodo-imperial-historico-da-educacao-no-brasil/. Acesso em 29.04.2024.
BLOG Freemason.pt, em https://www.freemason.pt/os-antigos-ritos-maconicos/. Acesso em 17.09.2024.
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[1] Vide Lei de 15 de outubro de 1827, em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38398-15-outubro-1827-566692-publicacaooriginal-90222-pl.html
[2] Vide artigo: A Maçonaria e os reflexos dos anos de 1930 e de 1964, em:
https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2018/03/13/a-maconaria-e-os-reflexos-dos-anos-de-1930-e-de-1964-parte-i/ e parte II. Acesso em 18.09.2024.
[3] Vide Artigo “A Inconfidência Mineira, a Maçonaria e a Arcádia Ultramarina”, publicado no Blog “O Ponto Dentro do Círculo”, em 18 e 19.04.2017:
[5] Não conseguimos confirmar a data e nome dessa Academia fundada por Castellani, e citada pela publicação Folha do Litoral, inclusive encontramos informações contraditórias.
[6] Vide artigo “o que explica o declínio da ABL, em Gazeta do Povo de 06.04.2024: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/decadencia-abl-academia-brasileira-de-letras/
[7] Vide artigo em: https://drive.google.com/file/d/0B-xI_i6y1khZNWNlYnp2NlhaM0E/view?resourcekey=0-kgOPKiSr49zfvPk4xrFLFw.
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