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DISCURSO DE POSSE NA AMVBL DO CONFRADE RUI AURÉLIO DE LACERDA BADARÓ

DISCURSO DE POSSE

ACADEMIA VIRTUAL MAÇÔNICA BRASILEIRA DE LETRAS

Cadeira 73 – Patrono: Visconde do Rio Branco

Rui Aurélio de Lacerda Badaró

21 de abril de 2025



Excelentíssimo Irmão Michael Winetzki, digníssimo Presidente desta Academia, em nome de quem cumprimento as autoridades maçônicas, os irmãos desta Casa das Letras e todos os presentes neste ato virtual, que não é menos real por ser mediado pela tecnologia – afinal, como nos ensina a fenomenologia, a essência do fenômeno transcende sua manifestação física;


Caro Irmão Mario Vasconcellos, meu garante desta jornada simbólica e intelectual, cuja generosidade de espírito transformou a proposição de meu nome numa verdadeira fusão de horizontes, como nos ensina GADAMER – o seu, de solidez e exemplo; o meu, ainda em construção, mas já alicerçado na pedra bruta do compromisso com a razão e o ofício de pensar. A pré-compreensão que você demonstrou acerca de minhas potencialidades representa o que a hermenêutica filosófica denomina de círculo virtuoso da compreensão – aquele que não se fecha em si mesmo, mas espirala em direção ao conhecimento autêntico.


Peço licença para iniciar com uma breve digressão: WITTGENSTEIN disse que os limites da linguagem são os limites do mundo. Talvez não imaginasse que nós, maçons, desafiássemos tais limites com rituais, símbolos e alegorias — não para nos calarmos, mas para dizer o indizível com o gesto, com a obra e com o pensamento. É nesse espírito que hoje adentro este templo de letras, onde as palavras não são meros significantes flutuantes num oceano de relativismo pós-moderno, mas âncoras de sentido que resistem à deriva da "livre interpretação" – essa patologia hermenêutica que confunde liberdade com arbitrariedade.


Assumir esta cadeira nº 73 é muito mais que um ato de investidura. É um chamado à responsabilidade intelectual que exige o que venho chamando, em meus escritos sobre a fraternidade maçônica, de "accountability hermenêutica" – a prestação de contas do pensador perante a tradição e a comunidade. E quando ela tem como patrono o Visconde do Rio Branco, o peso se converte em missão ontológica, não meramente ôntica.


José Maria da Silva Paranhos, o estadista-monumento, é um desses raros homens em que a maçonaria e o Estado encontraram conciliação não por acaso, mas por coerência existencial. Grão-Mestre do GOB e Primeiro-Ministro do Império, foi, ao mesmo tempo, construtor de instituições e artífice da liberdade. Não foi um homem que olhou a história como objeto, mas alguém que esteve no mundo como ser comprometido, como diria HEIDEGGER – numa autêntica manifestação do Dasein político, esse ser-aí que não se limita a contemplar o mundo, mas o transforma pela decisão fundamentada.


E aqui, permitam-me uma reflexão crítica (talvez incômoda, mas necessária): se Rio Branco vivesse hoje, certamente rejeitaria a maçonaria de aparências que se traveste de tradicionalismo, bem como a substituição dos valores universais pela régua emocional das vaidades pessoais. Cansaria de ver os princípios fundamentais serem invocados como álibi para decisões que desconsideram a filosofia maçônica e a coerência do sistema ritualístico original. Opor-se-ia à chamada "maçonaria de mercado" – esse eufemismo que esconde o comercialismo sob o manto de uma falsa sofisticação teórica. Defensor de uma Fraternidade racional, ele desconfiaria da retórica vazia que se arvora acima dos símbolos, dos rituais e, não raro, da própria tradição – essa tradição que, na perspectiva autêntica, só pode ser acessada pela mediação do estudo compartilhado e da prática efetiva dos valores maçônicos, e não pela intuição solipsista daquele que se julga acima desta Sociedade de virtudes denominada Maçonaria e de seus irmãos.


Não foi um Grão-Mestre de medalhas, mas de ideias. Não foi um político de slogans, mas de decisões. Não foi um maçom de verniz, mas de cimento. É por isso que o escolhi como patrono. Porque não quero ocupar uma cadeira decorativa. Quero estar à altura do encosto filosófico que ela carrega – um encosto que não serve para o conforto do repouso intelectual, mas para o suporte da inquietação produtiva.


A maçonaria que me inspira é a que pensa. Não a que finge. É a que educa. Não a que entretém. É a que constrói, mesmo quando não há mais pedras. É a que se nega a ser só memória e que se recusa a ser só poder. É a que ousa dizer "não" à maré dos consensos fáceis e "sim" à tarefa difícil da coerência ética. É aquela maçonaria que encontramos no âmago da tradição filosófica alemã – em LESSING, cujo "Nathan, o Sábio" deveria ser leitura obrigatória para todo maçom que se arroga defensor da tolerância; em GOETHE, que em seu "Wilhelm Meister" demonstrou como a formação humana (Bildung) é um processo de contínua admissão; no Sistema Schröder, que recupera a essência filosófica da Fraternidade sem se perder no esoterismo desconectado da razão.


Agradeço profundamente ao Ir∴ Mario Vasconcellos, meu garante nesta jornada, por confiar em meu nome para integrar este corpo acadêmico. Mario é daqueles que caminham com o estojo de bússola moral bem afiado: não se deixa levar por modismos ou vaidades. Um crítico, mas jamais um cínico. Um observador, mas nunca um indiferente. Em termos “gadamerianos”, é alguém que compreendeu que a verdadeira autoridade não é aquela que se impõe, mas a que se reconhece pela consistência de seus fundamentos.


Agradeço à presidência, na pessoa do Ir∴ Michael Winetzki, por manter acesa esta tocha — que não é a da fama, mas a da vigilância intelectual. Manter uma academia viva — ainda que virtual — é enfrentar o niilismo reinante com as armas do saber, da razão e do compromisso com a verdade. É resistir ao que NIETZSCHE chamaria de "pequena razão" – essa racionalidade meramente instrumental que calcula mas não pensa, que mede mas não avalia, que funciona mas não significa.


Entro para esta Academia com a humildade dos aprendizes, mas também com a responsabilidade dos mestres. Não trago respostas prontas. Trago perguntas incômodas. E se elas forem bem formuladas, talvez sejamos capazes de reconstruir, palavra por palavra, uma maçonaria mais fiel à sua promessa original. Afinal, como disse Johan Wolfgang von GOETHE — a quem Lessing e o próprio Schröder tanto admiravam — "a dúvida cresce com o saber". Frase que, em perspectiva hermenêutica, demonstra que o verdadeiro conhecimento não é aquele que encerra questões, mas o que inaugura horizontes de questionamento.


Assumo esta posição com o compromisso de contribuir com o pensamento crítico dentro desta Academia. E aqui, evoco Ronald DWORKIN, esse autor que compreendeu o direito como integridade: este é um romance em cadeia, e eu tenho a honra de escrever um parágrafo. Não para repetir o já dito, mas para tensionar, renovar e respeitar a história, sem nunca renunciar à tarefa de projetar o futuro. Como diria DWORKIN (e não o que muitos dizem que Dworkin diz, numa espécie de "Dworkin para iniciantes"), minha contribuição deve respeitar a coerência narrativa deste romance institucional sem sacrificar a responsabilidade pela sua continuidade crítica.


Vivemos tempos difíceis. Tempos de inflação simbólica, de acúmulo de títulos sem leitura, de diplomas sem estudo, de maçonaria sem Maçonaria – numa manifestação daquilo que, em outro contexto, chamo de "pan-institucionalismo maçônico", essa tendência contemporânea de manter as instituições como cascas vazias, preservando seus nomes e ritos enquanto se esvazia seu conteúdo substantivo. A entrada nesta Academia, portanto, não pode ser confundida com ingresso em clube de prestígio, mas sim com ingresso num laboratório de pensamento – um espaço onde as ideias não são objetos de veneração, mas instrumentos de trabalho.


Por fim, retomando HEIDEGGER e sua analítica existencial, que minha contribuição nesta Casa não seja de silêncio reverente, mas de verbo ativo. Que minhas letras não sejam palatáveis, mas honestas. E que, nesta tradição que ora herdo, eu não tema nem o peso do passado, nem a ousadia do porvir. Como nos ensina a hermenêutica filosófica, a tradição não é um fardo a ser carregado, mas um diálogo a ser continuado – e é nesse diálogo que pretendo inscrever minha voz, não como eco, mas como resposta.


E aqui, nesta casa de saber e reflexão, espero contribuir com letras que iluminam, mas que não cegam. Com ideias que tocam, mas que não afagam o ego dos medíocres. Com princípios que resistem ao tempo, mas que não se tornam dogmas petrificados – pois, como ensina a hermenêutica filosófica, o dogma é justamente o ponto onde o pensamento se detém, onde a dialética da pergunta e da resposta se interrompe.


Aceito, pois, o encargo desta Cadeira 73. E que, sob a sombra do Visconde, eu possa ser mais do que um ocupante. Que eu seja digno – não por alguma pretensão de merecimento individual, mas pela disposição de manter vivo o compromisso com uma maçonaria que pensa criticamente, que age eticamente, e que, como diria Immanuel KANT – outro filósofo alemão que tanto estimo – ousa saber, ousa pensar por si mesmo.


E é sobre este imperativo kantiano do "Sapere Aude" – ousar saber – que gostaria de concluir este momento solene, com uma reflexão poética sobre o idealismo alemão que tanto inspira meu pensamento maçônico e filosófico:


SAPERE AUDE


I

Na eterna dança do ser e do não-ser em tensão,

Onde a verdade se esconde sob véus de ilusão,

Encontra o maçom sua primeira lição: Que a pedra bruta exige constante lapidação,

E o cinzel do pensamento não admite hesitação,

Pois o real se revela apenas na contradição.


II

Além dos sentidos, na pura reflexão, O templo interior busca sua elevação,

Não com tijolos de vã ostentação, Mas com pilares de firme indagação,

Erguendo no éter da própria compreensão

Um edifício que desafia a simples apreensão.


III

Entre matéria e espírito, nenhuma separação,

Nos ensina o compasso em sua perfeita rotação,

O esquadro nos mostra, em sua justa proporção,

Que objeto e sujeito vivem em eterna integração,

E a verdade emerge, não sem árdua confrontação,

Quando o pensar se liberta da cega automação.


IV

Do livre-arbítrio, rigorosa aplicação,

Que nos arranca da servil condição,

Fazendo da vontade esclarecida a legislação

Que governa do neófito a firme orientação,

Transformando cada gesto, cada deliberação,

Em exercício pleno de sublime libertação.


V

Os símbolos nos falam em constante revelação,

Sussurram segredos que fogem à cristalização,

No silêncio do templo, em profunda meditação,

Despertam ecos de uma antiga entonação,

Lembrando que as verdades, em sua plena fruição,

Jamais se entregam à fácil dogmatização.


VI

O "Sapere Aude" transcende a mera exortação,

É o pulsar vivo do maçom em construção,

Que entre ruínas de dogmas ergue outra fundação:

A do pensamento crítico, sem temor ou submissão,

Que nas trevas da ignorância acende a clarificação

E faz da dúvida metódica sua maior vocação.


VII

Na busca do conhecimento encontro a fundação

Da jornada que transforma carvão em diamante em gestação,

Não nas fórmulas vazias de ritual sem significação,

Mas no árduo trabalho da íntima transformação,

Onde cada maçom, em consciente dedicação,

Torna-se arquiteto de sua própria elevação.



Muito obrigado.

 
 
 

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